Por um Coração Saudável

Um dos grandes desafios neste início de século é travar o flagelo das doenças cardiovasculares (DCV). A humanidade sempre morreu de Epidemias. E tal como a peste negra, a febre-amarela, a cólera, a tuberculose, a sífilis e a SIDA, agora mais recentemente, desde 2020, pela Covid-19, também as DCV estão ligadas a fatores sociais, uma vez que são determinadas por uma vida sedentária, por uma alimentação desequilibrada, pelo excesso de peso, pelo tabagismo, podendo ainda adicionar-se a agitação diária, de uma vida social e profissional exigente, com o fator de “stress” coadjuvante no seu aparecimento.

Com os avanços técnicos e farmacológicos, os tratamentos tornaram-se mais eficazes e as cirurgias mais bem-sucedidas, pelo que a taxa de sobrevivência a doenças cardíacas, outrora fatais, aumentou significativamente. Simultaneamente, os conhecimentos em relação aos fatores de risco associados a estas doenças são cada vez mais conclusivos e exatos, levando a campanhas de prevenção cada vez mais incisivas. É atualmente possível, através de um modelo matemático, prever a probabilidade do indivíduo vir a sofrer do coração.

Se, por um lado, os avanços que se sucedem, a um ritmo impressionante na Medicina, têm vindo a melhorar a sobrevivência de quem sofre destas doenças (a mortalidade nesta área reduziu cerca de 8% no último quinquénio), por outro lado, o número de casos na população é cada vez maior e o resultado final é pouco animador, pois sempre que falamos em DCV fazemos alusão à principal causa de morte em Portugal. Aspeto este que se evidencia pela frieza dos dados estatísticos, que nos lembram que estas representam um terço da mortalidade da população, ano após ano.

"...sempre que falamos em DCV fazemos alusão à principal causa de morte em Portugal."

Esta situação é facilmente explicada se tivermos em conta que: 70% da população portuguesa tem colesterol elevado, 20% é fumadora ou obesa, 40% é hipertensa, a maioria é sedentária (somos o país da União Europeia com menos praticantes de exercício físico), o número de diabéticos tem vindo a aumentar consideravelmente e estamos a adotar uma dieta cada vez menos mediterrânica. Estes dados traduzidos a nível individual podem levar a uma previsão alarmante: um em cada cinco portugueses com mais de 30 anos tem um risco muito alto de contrair doença cardiovascular fatal nos próximos 10 anos.

É igualmente chocante que cerca de 80% da mortalidade prematura pelas DCV poderia ser evitada, pela alteração do comportamento e do “estilo de vida” em relação com os fatores de risco. Perante a severidade de tal cenário, nunca serão demasiados os esforços em torno de uma cultura de prevenção, sendo que essa mais-valia deve ser enfatizada numa conjuntura em que se afigura difícil resistir a uma série de “fatores sociais”, sejam eles o poder que o marketing exerce nos consumos alimentares, seja a facilidade de acesso a “uma série de elementos limitadores da nossa esperança de vida”, de que o tabaco constitui exemplo.

"...cerca de 80% da mortalidade prematura pelas DCV poderia ser evitada…"

Devemos colocar a promoção da saúde e a prevenção das doenças cardiovasculares nas prioridades da nossa vida pessoal. Devemo-nos preocupar mais com a saúde e menos com a doença. Na nossa vida não andamos a fazer coisas importantes, andamos a fazer coisas urgentes, temos uma agenda a cumprir diariamente, o que nos leva a adiar o que realmente é importante. É certo que os hábitos instituídos tornam-se quase impossíveis de mudar e fazê-lo exige um grande esforço intelectual (a natureza humana é assim mesmo), mas os entraves à mudança de estilos de vida não ficam por aqui.

"Devemo-nos preocupar mais com a saúde e menos com a doença."

Vivemos para os episódios agudos, para o protagonismo da intervenção. Quando se trata um enfarte do miocárdio, os resultados são visíveis. O doente sente que melhorou, que o médico lhe salvou a vida e o médico sente-se recompensado. Enquanto o “não acontecimento” é um facto que não se pode celebrar. Além disso, como é que vamos ter a certeza que foi devido àquele estilo de vida, à modificação de determinado comportamento ou à toma de certo medicamento que o doente não teve um enfarte de miocárdio? É este imbróglio de difícil solução, que torna ainda mais difícil termos a convicção que só é possível alterarmos os números previstos para os próximos anos, referentes às DCV, se adicionarmos as modificações ao estilo de vida e às tarefas que temos de cumprir diariamente.

A prevenção das DCV é uma questão de educação para a saúde e compete a todos nós adquirir e deter um conhecimento razoável sobre o nosso corpo e o mecanismo das doenças, a fim de que nos possamos efetivamente salvaguardar. Como tal, e salientando que é sempre a nossa longevidade e qualidade de vida que se encontram em jogo, esta é uma atitude que começa em casa, com a família, evidenciando-se em fatores como as escolhas alimentares ou a forma como se pratica, ou não, atividade desportiva. Claro que, em consonância com este papel ativo, acrescenta-se o contributo de outros agentes, nomeadamente as escolas, os centros de saúde, os médicos de família e outros profissionais de saúde, bem como os jornais, as televisões e o marketing digital, em tarefas como o apoio a digerir e incorporar informação sobre hábitos preventivos.

O segredo para evitar a ameaça à nossa esperança de vida é simples e baseia-se em cumprir o objetivo de que “mais vale prevenir que remediar”, porque é possível prevenir, viver mais e com mais saúde.

 

   Jorge Humberto Guardado

              Médico Cardiologista

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